Luciano Ambrósio Alves Prevalência da Retinopatia Diabética na População Urbana, Adulta de Ribeirão Preto - São Paulo. Ribeirão Preto, 2004. Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP – Programa: Oftalmologia – Depto. de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. Orientador: Jorge, Rodrigo 1. retina, 2. diabetes, 3. epidemiologia
DISCUSSÃO O presente trabalho é um estudo do tipo descritivo que utilizou dados referentes às alterações oculares em uma amostra de diabéticos, adultos, representativa da cidade de Ribeirão Preto. A grande dificuldade foi conseguir fazer com que os pacientes listados comparecessem para o exame oftalmológico. Muitos pacientes confirmavam o exame e não compareciam. Outros se negavam a participar do trabalho e uma parcela mínima não foi possível contatar ou havia falecido. O estudo foi motivado pelo crescente aumento da prevalência da RD e da cegueira ou perda significativa da visão secundária a ela. Outra motivação é a escassez de dados referentes às alterações oculares em diabéticos, sobretudo à RD, em nosso país e em especial em Ribeirão Preto. O conhecimento das características epidemiológicas permite melhor entendimento da patogenia da retinopatia bem como auxilia no planejamento de medidas de saúde pública visando a prevenção e o melhor seguimento e tratamento das complicações oculares do DM. A RD é a principal causa de cegueira legal em indivíduos entre 20 e 74 anos nos EUA. Pacientes com diabetes e retinopatia têm risco 29 vezes maior de desenvolver cegueira do que indivíduos normais. Naquele país, os custos estimados com a cegueira decorrente situam-se próximos a 500 milhões de dólares (DABASH et al., 1991). Esses e outros aspectos sócio-econômicos motivam o investimento em pesquisas que possibilitem maior entendimento da doença e melhoria na qualidade de vida dos diabéticos. No presente estudo, a freqüência da RD foi de 12.1%. Essa freqüência foi inferior aos dados observados por Casella et al., (1994) (29.7%) e Rolfe (1988) (34%) e mais próxima à encontrada por Souza-Filho (1986) (19.92%); porém, nestes estudos, a amostragem foi de indivíduos avaliados em serviços de saúde secundários ou terciários, que pode incluir casos mais graves de diabetes o que pode explicar uma maior incidência de retinopatia. Como veremos adiante, pelo nosso estudo, 89.4% da população de Ribeirão Preto referem fazer seguimento clínico. O fato de a maioria dos diabéticos fazer seguimento clínico e conseqüentemente o provável melhor controle do DM pode também ser um dos motivos da baixa incidência de retinopatia na cidade, pois como mostrou o DCCT (1983-1986) o bom controle da glicemia reduz a incidência da RD. A prevalência de edema macular clinicamente significativo e de casos indicados para fotocoagulação a laser foi de 6.8%, dados semelhantes aos obtido por Klein et al. (1984a). Do total de pacientes avaliados, 89.4% referiam fazer seguimento clínico de rotina (pelo menos uma vez ao ano) sendo que destes, 78.78% seguiam em UBS, 6.06% através de convênio e 4.54% em clínicas particulares. Por outro lado, apenas 31.8% referiam fazer seguimento oftalmológico de pelo menos uma vez ao ano (54.76% em UBS; 26.19% em clínicas através de convênios e 19.04% em consultas particulares). Esses dados mostram uma melhor assistência clínica da população quando comparados a outros estudos como o de Abujamra e Ulson (1986) que mostrou uma maior incidência de retinopatia em pacientes oriundos do extinto INAMPS. Por outro lado, evidenciou-se maior desassistência em relação aos cuidados oftalmológicos e a necessidade de medidas públicas para melhorar o atendimento nesse setor. Em sua Dissertação de Mestrado, Souza Júnior (2003) avaliou a população atendida pelo primeiro mutirão do olho diabético no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Em seu estudo encontrou-se uma freqüência de retinopatia de 28% sendo que 91.5% realizavam seguimento clínico e apenas 23% haviam realizado exame oftalmológico a menos de um ano. Esses dados mostram as diferenças encontradas entre amostras oriundas de mutirões, ambulatórios ou hospitais, daquelas que são representativas da população geral de uma cidade ou região. Em relação à cegueira legal, 17.42% dos pacientes eram legalmente cegos, sendo 5.3% devido à RD. Em um estudo realizado em Oxford, Inglaterra, 28% dos 188 diabéticos tipo 2 e com idade superior ou igual a 60 anos eram legalmente cegos (COHEN et al., 1991). Em outro estudo, realizado na Inglaterra, 2% de 449 pacientes não usuários de insulina e 1% dos usuários de insulina eram legalmente cegos (HOUSTON, 1982). No WEDRS, 7% dos pacientes com DM tipo 2 com 20 a 24 anos de doença tinham retinopatia. No presente trabalho a prevalência de cegueira foi maior nos casos de RD quando comparados com a população de diabéticos sem retinopatia. Com relação ao tempo de doença, o presente trabalho mostrou maior número de casos de retinopatia em pacientes com 10 anos ou mais de doença. Abujamra e Ulson (1986) também encontraram maior freqüência de casos de retinopatia nos diabéticos com mais de 10 anos de diagnóstico. O WEDRS mostrou que dos pacientes do Tipo 2, não usuários de insulina, com menos de cinco anos de diabetes, apenas 2% desenvolveram retinopatia. Quanto à terapia, 5.3%% não faziam qualquer tipo de tratamento, 14.39% tratavam apenas com dieta, 66.67% com antidiabéticos orais e 13.64% com insulina. Os casos com retinopatia foram mais freqüentes nos usuários de insulina. Baalard et al., (1986) encontraram uma prevalência de 64% de retinopatia em usuários de insulina contra 36% em usuários de antidiabéticos orais e 12% em indivíduos que faziam controle somente com dieta. O tipo de tratamento é importante indicador de risco para a retinopatia. As formas graves são mais freqüentes em usuários de insulina. Esses achados talvez se devam ao fato de diabéticos usuários de insulina apresentarem maior dificuldade de controle ou maior tempo de evolução da doença. Serghieri; Pettenello (1986) também sugerem um efeito deletério da insulina exógena como facilitador do espessamento da camada íntima arteriolar e aumento da aterosclerose. Outra explicação da menor morbidade em diabéticos não usuários de insulina seria um possível efeito protetor da insulina endógena ainda presente nesses indivíduos. A prevalência da RD ou dos casos mais graves de retinopatia não foi maior nos indivíduos com HAS. Este achado coincide com o WESDR que considerou nível pressórico de importante valor preditivo na progressão da retinopatia em pacientes diabéticos do tipo 1, porém, não do tipo 2. Vários outros estudos sugerem que níveis elevados da pressão arterial poderiam estar associados a maior prevalência e gravidade da retinopatia (DAVIS, 1986). A hipertensão arterial estaria correlacionada a maior dano microvascular e progressão da retinopatia (KOHNER, 1989). Em um estudo realizado em índios Pima, evidenciou-se o dobro da incidência de exsudatos retinianos em indivíduos com níveis sistólicos menores do que 125mmHg (KNOWLER et al., 1980). O United Kingdom Prospective Diabetes Study (UKPDS) ao analisar o efeito de um rígido controle da pressão arterial, utilizando um inibidor da enzima conversora de angiotensina ou um betabloqueador, encontrou redução significativa nas complicações macro e microvasculares em indivíduos do tipo 2. O controle da pressão arterial resultou em redução de 35% da indicação de fotocoagulação, redução de 34% na taxa de progressão da retinopatia e redução de 47% na perda visual de três ou mais linhas após 7,5 anos de seguimento. Não foi evidenciada relação entre a retinopatia e o tabagismo como fator de risco. O WESDR também não evidenciou aumento da incidência ou progressão da retinopatia em tabagistas. Por outro lado, outros estudos sugerem que o tabagismo seja um agravante em pacientes com retinopatia (MÜHLHAUZER, 1986). Sugere-se que o tabagismo reduza o fluxo sanguíneo retiniano e altere a capacidade de auto- regulação retiniana, possivelmente devido ao efeito vasoconstritor da nicotina (MARSHALL et al., 1983). O transporte de oxigênio também sofreria alteração devido ao aumento da carboxihemoglobina o que favoreceria a hipóxia retiniana (GOLDSMITH; LANDAW, 1986). A RD é um sério problema de saúde pública em Ribeirão Preto. Da população estudada, 12,1% apresentavam algum grau de retinopatia e 6% necessitavam de tratamento a laser. Estes achados são semelhantes aos dos grandes estudos de prevalência internacionais. O dado mais alarmante é que, apesar de a maioria da população, 89.4%, fazer seguimento clínico, apenas 31.8% faz seguimento oftalmológico mínimo de pelo menos uma vez ao ano. Este estudo alerta para a necessidade de uma política de melhor informação quanto à retinopatia e de projetos de triagem e acompanhamento de fundo de olho para reduzir o número de pessoas sem seguimento oftalmológico adequado. Estudos mostram que uma política eficaz de prevenção dos casos graves de retinopatia pode reduzir até pela metade os gastos públicos com o tratamento.